Devemos lutar pelo poder da caneta: seja para escrever as próprias ideias e livros, seja com votos para mudar a história do país
A oportunidade de ser mestre de cerimônias na noite da fala da escritora Chimamanda Adichie com mediação da filósofa Djamila Ribeiro durante o LER, Salão Carioca do Livro,
fez meu coração bater mais forte. Nem o fuso horário e o cansaço após mais de 25 horas de voos, conexões e compromissos entre Rio e Tel Aviv, de onde voltei após fazer um curso de lideranças no mesmo dia do evento literário, me impediram de estar ali transbordando de orgulho e esperança.
Tenho certeza de que esta sensação foi de alguma forma compartilhada com as 3 mil pessoas que estiveram no Maracanãzinho. Além das outras milhares on-line que puderam apreciar as reflexões feitas. Você ainda pode assistir no YouTube. Abrimos os trabalhos da noite com um trecho do musical “Vozes negras”. Na sequência, subi ao palco (eu e meu coração acelerado). Comecei a reflexão perguntando sobre quem conhecia Rosa Maria Egípcia. Você sabe a resposta? Rosa foi a primeira autora negra do Brasil, que será homenageada pela Escola de Samba Viradouro em 2023. Por lá, poucas pessoas sabiam. Não por acaso. Segundo dados da Universidade de Brasília, entre 2004 e 2014, foram apenas 2,5% de autores não brancos publicados. Ainda conhecemos poucas das nossas referências na literatura e em tantos outros domínios. Mas, para nossa alegria, cada vez mais pessoas estão comprometidas em agir proativamente para mudar esta lógica. Celebremos, portanto, nossas autoras e autores negros e indígenas que vêm sendo publicados.
Celebremos também espaços que pautam isso como o LER, que inclusive tornou-se recentemente Patrimônio Imaterial do Estado do Rio. Djamila iniciou seu discurso também reforçando a importância de autoras que vieram antes de nós, especialmente aqui no Brasil. Citou Conceição Evaristo e Maria Firmino dos Santos como nomes que abriram caminhos para que entendêssemos espaços literários como possíveis de serem ocupados por mulheres negras. Saber das histórias de quem veio antes da gente realmente nos fortalece. Oralidade e escrita se misturam na importante construção da representatividade e do legado das nossas griôs.
Ao segurar os livros “Pequeno manual antirracista”, de Djamila, “Sejamos todos feministas”, de Chimamanda, e “Mais forte”, de minha autoria, reforcei que todos devemos lutar pelo poder da caneta: seja para escrever nossas próprias ideias e livros, seja com votos para mudar a história do nosso país. Para colocar isso no papel, como lembrou Chimamanda, temos que lutar. Precisamos desligar o barulho que está à nossa volta, sejam o das distrações das redes sociais ou o das barreiras estruturais que nos desgastam e nos impedem de ter oportunidades, conexões e investimentos para realizarmos nossos sonhos.
Refletimos ainda sobre o quanto é danoso o mau uso do “lugar de fala” especialmente entre pessoas brancas, para justificar uma identificação quase exclusiva, por pertencerem ao mesmo lugar de fala, com reflexões somente de autores brancos. Enquanto poderiam, a partir desta reflexão, entender seus privilégios e se abrirem para uma leitura mais intencional de negros e indígenas. E fiquei lá, ouvindo, refletindo e tomando notas. Como compartilhou Chimamanda, “tomar notas sempre” é parte do seu processo de criação. Assim também o faço. Além de “sentar com os pensamentos e se dar tempo com eles”. Tudo isso faz parte da arte de contar nossas histórias.